Sexo e Obsessão

-  Kleber Monteiro -

A relação entre sexo e espiritualidade nem sempre foi tão conflituosa quanto costuma ser. Em culturas de povos antigos, a sexualidade dimanava de todo o universo como força sagrada, potência criadora e divina. Com o advento do cristianismo, em especial, o sexo tornou-se objeto proibido, símbolo do pecado, enquanto a castidade passou a ser sinônimo de pureza, de virtude.

Diversas culturas antigas tinham a representação mítica da Deusa Mãe, criadora da vida, e normalmente fecundada pelo Deus Pai. A propósito, aí se origina o mito da Virgem-Mãe. Segundo Herculano Pires, “A terra, deusa-mãe, é virgem antes e depois do parto, pois não sai maculada da fecundação e está sempre em estado de pureza. Fecundada pelo deus celeste, floresce nas messes, embalando no seu colo materno o Messias, ou seja, o deus-solar, que traz a luz, a vida e a fartura das colheitas, após o inverno” (O Espírito e o Tempo).

Não é à toa que Jesus nasce de uma virgem-mãe que é fecundada pelo Espírito Santo (Expressão do Deus-Pai) e continua em estado de pureza, ou seja, virgem. Para consolidar ainda mais o mito de Jesus como Deus, a virgindade também passa a ser um de seus atributos, o que será determinante para a concepção de sexo no Cristianismo.

A ideia de sexo como pecado está bem nítida no gesto de arrependimento de Adão por ter comido o fruto proibido, quando passa a conhecer o sexo e acaba sendo expulso do paraíso. Em certas imagens na Idade Média, ele aparece com a mão na garganta, sentindo-se entalado pelo fruto, o que deu origem ao termo “pomo (fruto) de adão” para designar essa característica transmitida à geração masculina (popularmente chamado de gogó).

Essa oposição entre sexo e espiritualidade, ou mais precisamente religião, só tem resultado em problemas e perturbações, com as lacerações do corpo, num mal sucedido sufocamento da pulsão sexual. Um exemplo bem contundente disso é a história contada por Aldous Huxley em Os Demônios de Loudun. Essa é uma história do século XVII que envolve sexo, obsessão e religiosidade.

A madre superiora do convento de Loudun, Joana, começa a desejar sexualmente um padre galanteador e “consolador” das viúvas e aldeãs do lugarejo, o sedutor sacerdote Urbain Grangier. A freira passa a sonhar com o dito padre possuindo-a sexualmente. Ao compartilhar os seus sonhos com as demais, atenciosas e ávidas irmãs, mais duas apresentam as mesmas experiências oníricas. Logo, tudo vai descambar em “possessão demoníaca” envolvendo todas as dezessete freiras.

Como o padre Grangier havia angariado muitos inimigos irmanados na mesma fé e a serviço da mesma igreja, os seus desafetos aproveitaram-se dos fatos envolvendo as freiras ursulinas para acusá-lo de bruxaria. Ele acaba sendo preso e severamente torturado, submetido a terríveis torturas: ossos da perna esmagados, dedos quebrados, testículos furados, nádegas laceradas... Por fim, o seu resto de vida foi consumido na fogueira inquisitorial. Mas, como sabemos que a morte não põe fim ao Ser, a partir de então tem início um processo obsessivo violento cujo pano de fundo é o sexo.

Quanto às endemoninhadas freiras, as tentativas de exorcismo continuaram. A madre superiora Joana chegou até mesmo a engravidar por “obra e graça do Demônio”. Enquanto os padres tentavam exorcizar o Anjo Caído da cobertura do paraíso para o subsolo do inferno, as freiras rolavam, urravam e se debatiam pelo chão da igreja, tomadas pelo demoníaco desejo sexual. A obsessão foi de tal modo que um dos padres exorcistas, Jean-Josheph Surin, também foi “possuído” e rolou no chão com as demais endemoninhadas, para diversão da plateia e escândalo dos jesuítas presentes. Ele adoeceu, padecendo de distúrbios mentais durante vinte anos. Todos os envolvidos terminaram os seus dias nos mais terríveis padecimentos, como é o caso do capuchino Tranquille, que morreu vomitando fezes.

Negar o sexo como uma força natural, criadora, comum a todos os seres, cuja manifestação nasce de nossas raízes espirituais, é uma absurda forma de violência. O forte condicionamento cultural de matiz religioso ainda é muito encontrado no meio espírita, onde é comum notar pessoas que sentem um calafrio de pudor e indignação ao ouvir palavras como orgasmo, pênis, vagina, dentro de instituições espíritas, como se nada disso fosse natural e fizesse parte da vida. Contudo, e sobre isso Freud vai “deitar e rolar”, esses tabus são motivadores de atitudes hipócritas que intensificam e tornam descontrolada a força sexual da alma.

Os sonhos são reveladores quando se pensa nesse comportamento de negação do sexo, pois aí o consciente já não exerce o seu controle e toda a pulsão sexual reprimida e negligenciada ganha contornos de animalidade, onde muitos se veem em meio a orgias e todo tipo de perversão sexual. É comum encontrarmos casos de obsessão desse tipo no atendimento e prática de desobsessão em instituições espíritas.

A falta de educação para o sexo e, especialmente, o desconhecimento de sua condição como potência espiritual, só pode resultar em obsessão. Por ser uma faculdade espiritual, o sexo continua se manifestando mesmo após a morte. E a norma observada nas comunicações com determinados Espíritos é a busca de satisfação do sexo, inclusive, com tentativas de voltarem a manter as mesmas ou mais pervertidas relações sexuais com parceiros ou parceiras que “deixaram” após a morte. É isso o que por vezes origina os chamados “pesadelos” eróticos em que se misturam o prazer e o asco, o sentimento de nojo de si mesmo.  

Mas, o sexo é uma força espiritual que nos confere, à medida que vai se sutilizando, as faculdades de criação e prazer, não mais limitadas ao uso exclusivo dos órgãos sexuais do corpo. As diversas expressões de arte, o aguçamento da sensibilidade, a expansão de percepções espirituais e a realização plena do amor, são algumas das possibilidades que vão se aflorando com o tempo, no gradual despertar das energias sexuais fluindo do vasto oceano do inconsciente, do Espírito.



 

 


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