Sonhos Lúcidos: Visões e Premonições

- Lúcia Loureiro -

Sonhos premonitórios e visões constituem capítulo à parte no estudo da fenomenologia espírita e uma questão que ocupa a mente de todos os povos. Personalidades do cenário mundial dirigiram suas vidas e tomaram decisões importantes acolhendo mensagens oriundas de sonhos e visões. No Egito, havia uma casta clerical especialmente criada para interpretar sonhos, segundo acreditavam, portadores de mensagens dos deuses. Esses sacerdotes atuavam em diversos templos de Amon-Rá, o deus-sol, localizados em Napata e no deserto líbio. Antropólogos encontraram um papiro de mais de 4.000 anos, com relato de um sonho. Na Mesopotâmia, um guia completo de sonhos escrito em tábuas de argila foi encontrado nas ruínas da biblioteca de Nínive, pertencente ao rei Assurbanipal (650 a.C.). Segundo a Bíblia, José, um judeu cativo, foi o único que soube explicar o sonho do faraó das sete vacas gordas e sete magras; das sete espigas boas e sete raquíticas. Seriam sete anos de fartura seguidos por sete de escassez.

Na atualidade, pesquisadores do psiquismo vêm tentando explicar o mecanismo das visões e dos sonhos premonitórios. A mais famosa teoria a respeito é a de John William Dunne que, em 1927, afirmou na sua obra Um Experimento com o Tempo: “os sonhos são uma mistura de imagens do passado e do futuro e que podem ser usados como instrumento de predição por qualquer um que tenha paciência para registrá-los e analisá-los” (Apud LOUREIRO, p.94). Tinha como objetivo provar suas teorias sobre os diferentes níveis do tempo. Dunne começou a anotar seus sonhos todos os dias, logo que acordava, os quais foram descritos nessa obra. Assim o fez até o fim da vida.

Psicólogos da atualidade estudam o estado mais raro dos sonhos: o “sonho lúcido”. O que acontece comumente é o indivíduo só se lembrar do que sonhou quando acorda e nem sempre isso ocorre. Entretanto, no “sonho lúcido”, o indivíduo tem consciência de que está sonhando, acompanha as cenas enquanto elas se passam diante de seus olhos da mente. É um participante ativo que influi nos fatos e nas emoções das personagens. A referência mais antiga de “sonho lúcido” foi registrado no século IV pelo filósofo Aristóteles em seu tratado Sobre os Sonhos. Ele afirma: “muitas vezes quando alguém dorme, algo em seu consciente lhe diz que aquilo não passa de uma sonho” (p.107-Mistérios do Desconhecido/No Mundo dos Sonhos).Outra referência é a de Agostinho (santo) sobre um sonho ocorrido com um seu amigo chamado Genádio, em que um jovem discutia, com detalhes, a vida depois da morte e disse para ele: “Você tem de saber que, mesmo agora, você vê adormecido”. (Ibid.). Entretanto, o primeiro a empregar um método a esse tipo de sonho em suas observações foi o marquês Hervey de Saint-Denis, professor de chinês no Collège de France, Paris. Seus vinte anos de pesquisa estão registrados na obra Sonhos, Como Guiá-los, de 1867. Embora alguns cientistas não aceitassem suas teorias do “sonho lúcido”, Frederic W. H. Myer, fundador e respeitável professor da Sociedade Britânica de Pesquisa Psíquica, não somente as aceitou como declarou haver experimentado o fenômeno pelos menos por três vezes.

Allan Kardec, na Codificação da Doutrina Espírita, informa que o sonho é a emancipação da alma durante o sono. Geralmente, as lembranças dos sonhos se mesclam a acontecimentos do cotidiano. Entretanto, quando a alma se emancipa da matéria e das preocupações diárias completamente, o indivíduo tem sonhos lúcidos e objetivos. Entre esses, encontram-se os sonhos premonitórios que trazem advertências sobre fatos bons ou maus prestes a acontecer. Segundo Kardec, os sonhos nada mais são que recordações trazidas pelo Espírito encarnado enquanto se encontra desligado do corpo físico em repouso no mundo material. Há quem diga que o sono é um primo-irmão da morte, o que não deixa de ser uma realidade. Coloca Kardec em O Livro dos Espíritos: “O sono liberta, parcialmente, a alma do corpo. Quando o homem dorme, momentaneamente se encontra no estado que estará, de maneira permanente, após a morte”. (KARDEC, cap. VII, p. 187 ). E mais: “[...]enquanto o corpo repousa, o Espírito dispõe de mais faculdades do que em vigília. Tem conhecimento do passado e, algumas vezes, previsão do futuro”. (Ibid. p. 186).

Enfocando o Brasil, o ilustre poeta Olavo Bilac vivenciou um fato que se tornou bastante conhecido  entre sumidades dos meios literários de que fazia parte. Antônio Eliezer Leal de Souza, brilhante jornalista, frequentava a Federação Espírita Brasileira onde subia à tribuna e realizava notáveis conferências. Como repórter, deu o “furo” sobre o assassinato do escritor Euclides da Cunha. Estudioso do Espiritismo, publicou obras sobre o aspecto científico da Doutrina Espírita. Na vida mundana, participava da roda de boêmios das letras liderada por Olavo Bilac que, com o escritor Coelho Netto, realizou pesquisas espíritas obtendo fenômenos notáveis e materializações de Espíritos cujas identidades foram confirmadas por testemunhas idôneas. Em certa palestra na Federação Espírita Brasileira, narrou o que vem a seguir. O fato aconteceu no ano de 1915, quando foi fundada pelo poeta Olavo Bilac, no Rio de Janeiro, a Sociedade dos Homens de Letras da qual faziam parte, entre outros além do fundador, Alexandre Lamberti Guimarães, Gregório da Fonseca, Leal de Souza e Aníbal Teófilo(1). À época muito jovens, costumavam jantar juntos diariamente. De início, a atmosfera era toda alegria e entusiasmo. Porém, a certa altura dos tradicionais ágapes, o ambiente foi ficando carregado sem nenhum motivo aparente.

Numa manhã, Leal de Souza recebeu uma visita inesperada. Aníbal Teófilo o procurou e fez uma declaração surpreendente. Disse que ali estava para transmitir-lhe as últimas vontades e fazê-lo depositário de suas revelações, pois morreria em breve. Leal de Souza ficou transtornado e não mais ouviu as ideias do amigo. Obrigou-o a consultar um médico e fazer um exame minucioso. Nenhuma doença foi diagnosticada. Com o passar do tempo, não se tratou mais sobre o assunto. Continuaram os jantares e as tertúlias. Mas, uma sombra parecia ainda pairar sobre os encontros. Mais tarde, relataria Leal de Souza em sua obra Transposição de Umbrais:

“Estávamos numa quadra radiosa de ventura pessoal e evidência literária. Nada deixava entrever o próximo desaparecimento trágico de um companheiro dileto e, inexplicavelmente, dias antes da morte de Aníbal, o nosso ambiente tornou-se pesado e sombrio, cheio de presságios.” (Apud LOUREIRO, p. 179).

Realizou-se um dos jantares na casa de Lamberti Guimarães a que todos os amigos compareceram. Inesperadamente, no meio do jantar, Bilac cruzou os talheres e declarou-se indisposto. Pediu que o deixassem quieto naquele momento. Ao final do encontro, chamou Lamberti Guimarães e outros presentes e confidenciou: “-Eu vi, repentinamente, naquele canto, o Aníbal cair ensanguentado.” (Ibid. p. 180). Referia-se a Aníbal Teófilo que se encontrava na casa, porém em outra sala em conversação com uma amiga.” A visão se repetiu e Bilac, bastante aflito, voltou a dizer: “-Vejo-o de novo naquele canto, caído e ensanguentado.” (Ibid.).Três dias depois, concretizou-se a trágédia. Era o dia 19 de junho de 1915, um sábado. A agremiação organizara a costumeira Hora Literária no salão nobre do Jornal do Commercio. A alegre e festiva reunião havia acabado. Para encerrar a comemoração, a diretoria da Sociedade pousou para a foto histórica: Heitor Lima, Goulart de Andrade, Luís Edmundo, Olavo Bilac, Ciro Costa, Augusto de Lima, Martins Fontes, Olegário Mariano, Bastos Tigre, Sarandi Raposo, Emílio de Menezes, Oscar Lopes, Sebastião Sampaio, Aníbal Teófilo, Humberto de Campos, Gregório da Fonseca e Leal de Souza. Alguns deles tiveram conhecimento, no jantar anterior, das previsões de Bilac. Preparavam-se para sair do prédio, quando sons de tiros de revólver ecoaram no interior. Retornaram apressadamente para o salão nobre. Aníbal jazia caído ao chão varado de balas. O autor do crime, Gilberto Amado (2), seu inimigo figadal. Indo a júri mais tarde, curiosamente foi absolvido Naquele momento, a  alegria transformou-se em sentimento fúnebre. Ao enterro do amigo, todos compareceram e prestaram uma curiosa homenagem satisfazendo uma das suas últimas vontades. Encharcaram seu corpo com litros do popular perfume francês da época: “Idèal de Hubricant”.

Algum tempo depois, surge uma revelação através de Gregório da Fonseca. Uma pessoa de São Paulo, cujo nome não é citado, entregou-lhe uma carta escrita em vida  por Aníbal Teófilo em que ele descreve um sonho que tivera:

“Era noite cerrada, de espessa treva. Caminhando ao longo da muralha do cais da Glória, ouvi um barulho de remos batendo na água e, parando, vi encostar-se ao paredão um bote negro, de onde saltaram marinheiros vestidos de negro que o cercaram.

-Tens medo?- perguntou um deles.

-Não tenho – respondi.

-Vens conosco.

E embarquei no bote funéreo com os marinheiros enlutados, atravessando o silêncio escuro da noite, sobre as águas cheias de sombras. Longe, no meio da baía da Guanabara, passou-se para um navio inteiramente negro, a cujo lado, junto à escada, encostara o bote.

Ao percorrer o interior desse navio, verifiquei, com surpresa, que os camarotes eram túmulos com epitáfios. E lendo numa lápide o nome de meu pai, abri-a. Apareceu, então, a amada figura paterna, que me disse:

'-Meu filho, está próxima, muita próxima, a tua última hora. Fiz tudo quanto foi possível para salvar-te, mas nada consegui. Vai e prepara-te para morrer.'

Depois desapareceu. Eu me afastei. Regressei à terra no mesmo bote e despertei.” (Ibid. p.181-182)

Intrigantes fatos como esse suscitam-nos várias perguntas. O que nos espera amanhã, nos próximos dias ou nos anos vindouros? É uma questão angustiante que ocupa as mentes do ser humano. Mas, como respondê-la? São tramas do mundo invisível que ainda não podemos desvendar. O futuro sempre trouxe preocupação para as pessoas, mais ainda na época atual em que as tragédias acontecem a qualquer momento. Será possível mudar os acontecimentos? Para premonir as grandes tragédias e catástrofes que atingem a Humanidade, além daquelas de caráter individual, ninguém ainda encontrou uma forma eficiente e científica de utilizar as faculdades especiais das quais porventura seja possuidor. O mais intrigante das premonições, ocorridas em sonho ou em estado vigília espontaneamente, é que nem sempre podemos evitar que elas se realizem.

 

 Notas:

1.Aníbal Teófilo de Ladislau y Silva de Figueiredo e Melo de Giron de Torres y Espinosa nasceu em Fortaleza de Humaitá, Paraguai, a 21 de julho de 1873. Descendia da família Torres y Espinosa, banida da Espanha após o levante carlista.

2.Gilberto de Lima Azevedo Sousa Ferreira Amado de Faria nasceu em Estância (Se), a 7 de maio de 1887. Iniciou atividade política em 1915, como representante de Sergipe à Câmara dos Deputados.

 

Referências:

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. IDE, 1980, Araras, SP.

LOUREIRO. Lúcia. Histórias Fantásticas Deste e do Outro Mundo. Telma Editora, Salvador, Ba. 1997.

Mistérios do Desconhecido. No Mundo dos Sonhos. Abril Livros/Time-Life.



 

 


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